Todo final e começo do ano vejo alguém compartilhar aquele famoso texto sobre “fatiar o tempo” e que é erroneamente atribuído a Carlos Drummond de Andrade. Não ser um texto autoral do Drummond não é o problema, o problema é não saber quem é o verdadeiro autor, já que ele merecia os créditos por colocar em palavras aquilo que todo mundo já sabia: doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos, até encontrar o milagre da renovação e começar tudo de novo.
E eu até gosto desse texto, mas pra ser sincera parece que esse ano ele não bateu por aqui. É janeiro e eu sigo me sentindo exausta quando deveria estar no meu modo animada e planejadora. Mais alguém por aí está assim? O milagre da renovação não chegou aqui, por enquanto, e eu fico procurando respostas porque sou do tipo de pessoa que levanta pra resolver os problemas em vez de sentar neles ou esperar que se resolvam sozinhos. Mas de onde vem esse desânimo e cansaço? Pode ser a lua ainda minguando os resquícios de 2023 ou podem ser as vitaminas que vou checar em exames logo mais. Ou pode ser algo ainda mais complexo de resolver: eu mesma.
É. Assumir a responsabilidade de que só nós podemos mudar a maneira como vivemos cada dia dá um trabalho danado. Porque é claro que a gente não pode mudar a sociedade, a economia, a conta bancária e as pessoas ao nosso redor... mas podemos fazer escolhas. Saber disso poderia até simplificar as coisas, mas escolher também é renunciar e nem sempre temos consciência do que é que estamos abdicando.
As mudanças moram nas escolhas, mas tomar decisões envolve percorrer um caminho de descontrole e experimentação até que a gente sinta aquela fagulha no coração e o frio na barriga que confirmam para a nossa essência o que faz sentido: é isso que eu quero fazer!
Um café entre amigas – nova coluna com textos de convidadas
Quando comecei essa newsletter em fevereiro do ano passado, meu único objetivo com ela era me incentivar a escrever mais por mim mesma. Trabalhando como ghost e, constantemente, escrevendo para os outros, eu senti que corria o risco de deixar meus textos autorais de lado. E não vou negar que mais para o final do ano — quando o trabalho intensificou — foi exatamente o que aconteceu: passei a escrever cada vez menos (para mim, claro).
Desde então, fiquei pensando em maneiras de como retomar esse projeto pessoal com algum compromisso maior: cravar que escreveria semanalmente independente da agenda atribulada? Fazer enquetes com temas nas minhas redes sociais e escrever sobre isso? Nada me dava aquela sensação certeira de que a âncora seria suficiente para me comprometer de novo, sabe?
Até que, essa semana, a vida deu alguns empurrõezinhos e, felizmente, eu estava atenta para sacar. Primeiro, meu pai me deu um livro, Diálogo de Robert McKee, e já no prefácio eu me vi encantada por um trecho que faço questão de compartilhar:
“A gente conversa. Conversar, mais do que qualquer outra característica, expressa nossa humanidade. A gente sussurra quando ama, xinga quando odeia, discute com o encanador, elogia o cachorro e jura pela alma da mãe. Relações humanas são, em essência, conversas intermináveis que permeiam os relacionamentos bons e ruins da vida. (...) a conversa consigo mesmo jamais acaba: um sentimento de culpa censura desejos inconscientes, a ignorância ridiculariza a sabedoria, a esperança conforta no desespero, o impulso zomba da cautela e a perspicácia ri de tudo à medida que as vozes na nossa cabeça discutem até o último suspiro.”
Eu sempre amei conversar. Adoro como os diálogos — comigo mesma ou com os outros — sempre me levaram a compreender o que sinto, o que vejo e o que percebo na vida. É nas conversas que eu geralmente encontro paz ou conforto para as minhas aflições, é nas trocas que eu percebo o olhar diferenciado dos outros, e é nas palavras que encontro sentido na vida, além de beleza nas histórias. Amo especialmente as conversas que tenho com mulheres e o quanto estamos sempre dispostas a trocar vulnerabilidades sinceras. Aprendo muito ouvindo mulheres.
O segundo empurrão veio quando uma amiga me mandou um texto maravilhoso que escreveu e disse “amiga, tenho me desafiado a voltar a escrever pra mim... E tem um texto que, quando terminei, pensei: ‘nossa, se eu tivesse uma newsletter, eu mandaria esse’. Depois pensei: "hum, será que a May não gostaria de ter uma convidada na news dela?”.
E, de repente, tudo fez sentido: a fagulha veio, o frio na barriga também e eu percebi que convidar mulheres para escrever semanalmente comigo por aqui, seria uma ótima maneira de inovar a news e de me comprometer com a escrita novamente.
Porque é sobre essas percepções da vida que eu gosto de escrever, sem a pretensão de ter certeza ou razão, de informar ou de ensinar algo. Eu escrevo sobre meu diálogos internos e gosto de ler os dos outros, e isso me deixa espirituosa, da mesma maneira como me sinto viva conversando durante um café entre amigas. Daí a ideia do nome.
Assim sendo, saiba que se você é minha amiga e escreve, muito provavelmente vai receber um convite para participar dessa news neste ano! E, se não é, mas quer contribuir com um texto autoral, eu vou adorar ler e ver se ele se encaixa na proposta.
A seguir, você fica com o primeiro, com a minha querida Juliana Cury, que é uma parceira profissional e amiga próxima há uns bons doze anos.
Quando nossas decisões passam a valer? – Juliana Cury
Eu tenho 28, quase 29 anos. Sou jovem ainda, com certeza. Mas também já sou adulta, também já vivi várias experiências e também já me sinto no direito de ter minhas próprias opiniões, certo?
Bom, não sei se tão certo assim.
Quando falo para alguém que não sei se quero ter filhos, ouço: Você é nova ainda. Quero ver daqui uns anos.
Quando digo que não pretendo pintar o cabelo quando começar a ficar grisalha (porque, sim, eu acho lindo), escuto: Você é nova ainda. Quero ver quando ficar mais velha.
Quando explico por que parei de comer carne vermelha e como pretendo cortar tudo de origem animal em breve, vem um: Você é nova ainda. Quero ver quando passar pelo que eu passei.
Quando comento que determinadas experiências/coisas são mais importantes para mim do que outras, recebo um: Você é nova ainda. Quero ver quando tiver a minha idade.
Refletindo sobre isso, tem duas questões que ficaram presas na minha mente. Em primeiro lugar, existe alguma idade (principalmente quando se é mulher) a partir da qual as pessoas simplesmente aceitam suas decisões, escolhas ou opiniões, sem questionar?
Já num segundo momento, me pergunto: e daí se eu efetivamente mudar de ideia quando “for mais velha”? Se no futuro eu decidir pintar o cabelo uma vez por semana, ter uma casa cheia de crianças, viver exclusivamente de carne animal ou até mesmo seguir um roteiro pré-estabelecido pela sociedade... e daí? Qualquer uma dessas possíveis transformações futuras por acaso faz os meus pensamentos presentes valerem menos?
Mesmo que nossas opiniões de hoje não sejam eternas, exatamente do jeitinho que foram imaginadas, sinto que elas têm um papel fundamental: nos formar hoje, nos preparar para o amanhã. Talvez porque são essas ideias que me livram de amarras e pressões desnecessárias, que me permitem olhar para o lado com mais empatia e menos julgamento, que me proporcionam a tão boa sensação de conhecer, e escolher, e mudar, e decidir, e voltar atrás, e andar pra frente.
Vamos ser sinceros: mudar de ideia nem sempre é confortável, mas é tão bom, não acham? Ter a liberdade de trocar um pensamento, de traçar um novo plano, de se permitir mudar a rota de uma vida sempre sonhada... é muito bom. Mas afirmar que isso tira a importância dos planejamentos iniciais é quase como dizer que o fim é muito mais importante do que o percurso — e puts, não dá pra gente acreditar nisso, né?
O intuito deste texto é uma proposta para 2024: já que ninguém sabe o que vai acontecer daqui dois minutos, já que nem os cientistas conseguem prever os próximos anos do planeta, já que a sensação de controle é só uma ilusão da nossa mente para causar mais ansiedade nas pequenas tarefas do dia a dia... o que vocês acham das nossas decisões começarem a valer a partir de agora?
Podemos combinar que, não importa se temos 10, 30 ou 50 anos, o que a gente quer agora tem, sim, muita importância?
Podemos trocar o Quero ver no futuro por um Que legal, me conta mais?
Podemos aceitar as opiniões e os planos atuais mesmo sabendo que eles podem não durar pra sempre?
E podemos continuar mudando de ideia quando nos for conveniente sem ninguém vir esfregar isso na nossa cara?
Porque a vida em si já sabe ser tão pesada, então duvido que ela precisa da nossa ajuda pra complicar ainda mais, né?
Adorei o texto e as reflexões das duas ♥️
Olá Mayara, que bom que você voltou! Fique animada pois gosto muito da sua news!
À Juliana, respondo que, aos quarenta e poucos também somos invalidadas por pessoas mais experientes e, ao meu modo, também acabo pensando algumas coisas sobre os jovens, mas não costumo sugerir mudança de opinião. A própria vida se encarrega de soprar-nos os ventos da mudança. Faz parte do jogo. Entretanto, escolhas como não querer ter filhos, não colocar química nos cabelos e escolher não comer carne não são apenas opinião, mas valores, e a medida que amadurecemos, podemos mudá-los se eles não forem convenientes, ou simplesmente, entendemos que eles podem ser inegociáveis, pois norteiam nossas vidas.
Digo ainda, que a Juliana não deve se incomodar com as invalidações alheias que, no geral, não passam de egocentrismo. No mais, vamos viver nosso processo!
Um beijo grande 'procês!